outubro 31, 2006

Adeus...

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
E o que nos ficou não chega

Para afastar o frio de quatro paredes.

Gastámos tudo menos o silêncio.

Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,

Gastámos as mãos à força de as apertarmos,

Gastámos o relógio e as pedras das esquinas

Em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.

Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro,

Era como se todas as coisas fossem minhas:

Quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.

E eu acreditava.

Acreditava,

Porque ao teu lado

Todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,

Era no tempo em que o teu corpo era um aquário,

Era no tempo em que meus olhos

Eram realmente peixes verdes.

Hoje são apenas os meus olhos.

É pouco, mas é verdade,

Uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.

Quando agora digo: meu amor,

Já se não passa absolutamente nada.

E no entanto, antes das palavras gastas,

Tenho a certeza

De que todas as coisas estremeciam

Só de murmurar o teu nome

No silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.

Dentro de ti

Não há nada que me peça água.

O passado é inútil como um trapo.

E já te disse: as palavras estão gastas.


Adeus.


Eugénio de Andrade

Sem comentários: